Trouxe meu disco para escutarmos juntas. De quebra reinaugurarei minha vitrola recém
consertada. Elas trarão seus discos esquecidos e acredito que chegarão até o poente. Do
convés do nosso barco rememoro nós quatro, meninas. E à medida que os caranguejos
caminham entre os ninhos, entre vindas e idas, cortes e mel, chorávamos em risos e ríamos de
doer a bexiga. Não nos reconhecíamos crescidas, continuávamos presas aos discos e à
paisagem- a paisagem do rio ora transbordava ora secava. No sempre, estávamos nesse lugar,
desafinadas, irmãs e cúmplices. Contávamos a vida e entre-escutávamos o balanço das águas
onduladas. Aprendemos a rir da tragédia. Daqui a pouco o sol se desmanchará e a noite
avançará até o barco, e elas ainda não chegaram. Não me deixarão sozinha. Enquanto não
chegam, aumento o som da vitrola. “Eu fico com a pureza das crianças é bonita e é bonita”.
Começo a dançar imitando o mesmo jeito dela dançar. Fecho os olhos no bailar das águas
calmas do nosso rio. Sinto os abraços das duas e a atemporalidade do afeto. Dançamos e
cantamos a música que ela mais amava cantar. Ouvimos outras músicas e jogamos as cinzas na
maciez das águas tranquilas do rio.
Do rio as cinzas partiram.
Rodada 112
Texto: Adriana Vieira Lomar
Imagem: Daiany Souza